Há exatos 35 anos, em 16 de novembro de 1984, estreou oficialmente nos Estados Unidos um dos maiores clássicos do terror moderno: A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street), uma produção de baixo orçamento que alcançou enorme sucesso no mundo todo e colocou Freddy Krueger no rol dos maiores vilões do cinema e um dos ícones do terror. Falar de A Hora do Pesadelo hoje é fácil. Difícil era imaginar que, naqueles primeiros anos da década de 1980 um monstro que aterrorizava os adolescentes no mundo dos sonhos fosse sair do papel.

Personagem consagrou a carreira de Robert Englund.

Pouca gente deve saber, mas Krueger saiu da mente do diretor Wes Craven, então um iniciante na carreira, que enfrentou uma série de problemas para fazer sua história sair do papel. A começar pela premissa: ninguém achava que uma criatura que só aparecesse em sonhos daria medo em alguém da plateia – simplesmente porque o roteiro já deixava claro que era apenas um sonho. Para piorar, o gênero estava meio em decadência no período e os grandes estúdios não queriam investir no que acreditavam que seria um fracasso anunciado.

O diretor Wes Craven, morto em 2015.

Foi quando Wes Craven teve contato com a New Line Cinema, uma distribuidora fundada por Robert Shaye, que começou distribuindo os curta-metragens feitos de forma independente porque nenhum estúdio queria bancar. Especializou-se em produções B e, com elas, ganhou mercado até que, em busca de novos diretores e novos projetos, conheceu Wes Craven e se encantou pela proposta que o filme trazia: uma vez que pesadelos são comuns a qualquer pessoa, Shaye enxergou ali uma boa oportunidade para atrair o público.

Freddy foi inspirado em “pesadelos” reais do diretor.

Com orçamento de US$ 1,8 milhão, o longa-metragem recuperou o investimento no final de semana de estreia. São várias as fontes de inspiração para criação de Freddy Krueger: uma delas veio de um colega de infância do diretor chamado justamente de Fred Krueger, que era maior e sempre batia nele. Craven chegou a batizar o personagem principal de Aniversário Macabro (1972) – sua estreia como diretor – de Krug. Por fim, o visual rasgado e o chapéu fedora vieram de um mendigo que ele viu de sua janela, aos 10 anos, observando-o da rua. A visão apavorante daquele homem nunca mais saiu de sua memória e compôs o visual do vilão no cinema. A seguir, veja mais algumas curiosidades desta produção:

Estreia de Johnny Depp: “fofo”

1 – Foi o trabalho de estreia de Johnny Depp no cinema. Para o papel de Glen, o namorado de Nancy (Heather Langenkamp), o diretor queria um rapaz que fosse carismático e passasse a imagem de ter boa índole e romantismo. Quem quase ficou com o papel foi Charlie Sheen, mas o ator achou a proposta de ser engolido por uma cama idiota demais e recusou o papel. Outro que também consta na lista é Jackie Earle Haley – que viria a ser o próprio Krueger, no remake de 2010 – mas a diretora de elenco afirma que não lembra do ator fazer o teste. Depp foi apresentado à sua agente por Nicolas Cage e indicado ao elenco. À primeira vista, Craven não gostou do estilo do rapaz, mas depois do teste, mudou de opinião. “Ele tinha uma espécie de atração no estilo James Dean“, revela. A filha do cineasta também intercedeu pela escolha do ator, dizendo ao pai que ele era “tão fofo” que seria perfeito no papel do garoto romântico.

Molestador de crianças: temática forte para a época.

2 – No roteiro original, Freddy era um pedófilo assumido, mas os produtores acharam o tema forte demais, principalmente naqueles anos em que a Califórnia vivia um período conturbado com casos reais de pedofilia. Para evitar críticas de que o filme incentivava a prática da pedofilia, Freddy Krueger passou a ser apenas um assassino em série. Ao longo dos anos e das sequências, no entanto, esse perfil abusador do personagem foi sendo sutilmente explorado até que a última versão do filme deixou isso explícito.

Efeito barato… que funcionou perfeitamente!

3 – Os efeitos especiais, muitas vezes, foram motivo de muita diversão nos bastidores. Pela falta de orçamento, algumas soluções são risíveis se lembradas hoje, mas na época foram a melhor forma de viabilizar as cenas, uma vez que a tecnologia digital ainda não tinha tantos recursos aplicáveis. Por exemplo, a cena em que os braços de Freddy crescem no beco foi feita com dois membros da produção usando varas de pescar para balançar os braços falsos presos ao corpo do ator Robert Englund. A cena em que Freddy se projeta na parede do quarto de Nancy foi feita com um cenário falso de elastano, colocado no local quando Nancy se deita na cama. O designer de efeitos especiais (e não Englund) representa Freddy nesta cena, de cima de uma caixa de maçãs. Quando ele se afasta, há um corte de cena para que a parede original seja recolocada e Nancy possa bater nela, constatando que era sólida. Ideias simples que funcionaram perfeitamente.

Cena problemática quase eletrocutou a equipe.

4 – O quarto de Tina (Amanda Wyss) e o quarto de Glen eram o mesmo cenário, construído como um quarto giratório para que os efeitos das mortes dos dois personagens tivessem o impacto necessário. Quando Tina se arrasta pelo teto, na verdade, ela está no chão e quem está preso no teto do cenário (juntamente com toda mobília) é seu namorado Rod (Nick Corri). A cena em que Glen é engolido pela cama e ela espirra sangue para o teto é feita da mesma forma: a cama estava de cabeça para baixo e os técnicos despejaram cerca de setecentos litros de sangue falso pela abertura. O problema desta cena é que ela só poderia ser feita uma vez e, com todos os fios espalhados pelo estúdio, o sangue falso acabou provocando um curto circuito no mecanismo que girava o quarto, de modo que ele não parou de girar e, durante o filme, pode-se perceber o líquido rompendo as leis da física e caindo para o lado. O erro, no entanto, passou batido pela maioria do público. Também foi gravada uma cena em que Glen saía todo ensanguentado de dentro da cama para morrer, mas ela foi cortada na montagem final.

Filme deu origem a tendência de marketing.

5 – O título do filme em português fez parte de um fenômeno publicitário dos filmes da época. Traduzido ao pé da letra, o filme deveria se chamar Um Pesadelo na Rua Elm, mas a moda dos filmes de terror era ser batizado como “a hora de alguma coisa”. Tudo isso por conta do sucesso de A Hora do Espanto (Fright Night, 1985 – N. E.: no Brasil, A Hora do Pesadelo só estreou em 1986), que gerou uma onda chamada de “espantomania”. Por conta dessa popularidade, todos os filmes seguintes vinham acompanhados do prefixo “A Hora”: Reanimator: A Hora dos Mortos-Vivos (Re-Animator, 1985), A Hora do Lobisomem (Silver Bullet, 1985), A Hora da Zona Morta (The Dead Zone, 1983) e até mesmo produções mais leves como Karatê Kid – A Hora da Verdade (The Karate Kid, 1984) seguiram a tendência oportunista.

Um, dois, Freddy vem te pegar…

6 – As meninas-fantasma que pulam corda no início do filme cantando a cantiga “Um, dois, Freddy vem te pegar…” são filhas de um dos dublês, Anthony Cecere. Por serem muito pequenas na época, Adri-Anne e Coye (de 8 e 4 anos, respectivamente) não queriam participar das filmagens, especialmente a mais nova. Para convencer a pequena, Wes Craven lhe deu um urso de pelúcia, que era muito grande para a menina segurar e, por isso, foi substituído por uma bola vermelha. A menina não gostou que lhe tiraram o brinquedo e ficou mais brava (na cena, ela pode ser vista com uma cara de poucos amigos).

“Quem tem medo do bicho papão?”

7 – O que Freddy Krueger tem a ver com o Homem-Borracha, da DC? A princípio, o suéter do vilão deveria ser vermelho e amarelo, inspirado no traje do super-herói, uma vez que tanto ele como Freddy podiam mudar de forma. No entanto, o diretor leu um artigo na revista Scientific American que dizia que o vermelho e o verde provocavam um efeito mais contrastante e difícil de processar na retina humana. Por isso, o cineasta transformou a roupa do assassino num elemento angustiante a partir do simples olhar. Ainda sobre o suéter, em algumas versões do roteiro, ele aparece sem mangas, mas o responsável pela maquiagem se recusou a ter que maquiar também os braços do ator (só o rosto era um processo que levava três horas!).

Mesmo quase sem aparecer… Krueger entrou para a história do cinema.

8 – Surpreendentemente, o vilão aparece menos de sete minutos durante todo o filme. Apesar do pouco tempo de tela, foi o suficiente para ser incluído em várias listas de filmes e personagens do cinema. Algumas delas: 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, 25 filmes mais assustadores de todos os tempos da revista Entertainment Weekly (11º. colocado), 100 Heróis e vilões do cinema (American Film Institute), no qual ocupa a 40ª. colocação e Os 100 Momentos mais assustadores dos filmes (documentário do canal Bravo), sendo o 17º. do ranking.

“Se Nancy não acordar gritando… ela não acordará nunca mais!”

9 – O cartaz de um filme é um importante chamariz de público. O esboço inicial mostrava uma casa em uma rua com um corte atravessando a imagem e, ao fundo, uma mulher gritando. Antenado com o gosto dos jovens, Robert Shaye perguntou a opinião do mensageiro, quando este veio retirar o modelo para imprimir o cartaz. “Achei uma droga. É um anúncio terrível!”. O cartaz foi redesenhado por Matthew Joseph Peak, filho do ilustrador Robert M. Peak – cujo trabalho estampou cartazes de filmes como 007: O Espião que me Amava (1977) e Excalibur, a Espada do Poder (1981) – e resolveu seguir à vocação do pai, dedicando-se às artes. O cartaz de A Hora do Pesadelo foi o primeiro de sua carreira e, depois desse, ele se tornou o artista oficial da franquia. Não deixa de ser emblemático que o principal personagem não apareça no pôster: isso acontece porque o estúdio não queria mostrar a face de Krueger, que ainda não estava totalmente estabelecida. Assim, o cartaz foca em Nancy, em seus pesadelos e no terror que isso evoca.

A história de Freddy gerou mais oito continuações.

10 – O filme não foi feito para ter uma continuação, encerrando-se em si mesmo, mas a New Line enxergou a possibilidade de uma sequência – e, consequentemente, mais faturamento. Isso gerou muitas brigas entre o diretor e os produtores, tanto que Craven se recusou a participar da segunda parte e apenas escreveu o roteiro da terceira. O diretor só voltou ao personagem em 1994, quando da comemoração de 10 anos do filme de estreia, para colocar um ponto final na saga de Freddy, no roteiro e direção de O Novo Pesadelo. O que veio a seguir – Freddy Vs. Jason (2003) – é extra-franquia e o remake de 2010 também não teve a participação do criador.

O sonho de todo cineasta é um pesadelo!

11 – Com nove filmes listados, a franquia A Hora do Pesadelo não teve nenhum filme mais lucrativo que seu longa-metragem de estreia. O primeiro filme faturou 14 vezes o valor de seu investimento (US$ 25,5 milhões). A Hora do Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos (1988) é o mais caro de todos, custando US$ 13 milhões e gerando uma bilheteria de US$ 49,4 milhões (pouco mais de 3 vezes do investimento). Mesmo as produções mais recentes, que ultrapassam os US$ 30 milhões de orçamento e faturaram mais de US$ 100 milhões nas bilheterias, não ultrapassam o triplo do investimento (veja tabela abaixo). Uma prova de que ideias simples podem fazer grandes obras-primas.

Filme

Orçamento (US$ Milhão)

Bilheteria (US$ Milhão)

A Hora do Pesadelo (1984)

1,8

25,5
A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy (1985)

3

30

A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos (1987)

4,5

44,8

A Hora do Pesadelo 4: O Mestre dos Sonhos (1988)

13

49,4

A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy (1989)

6

22,2

A Hora do Pesadelo 6: A Morte de Freddy (1991)

11

34,9

O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger (1994)

8

19,7

Freddy Vs. Jason (2003)

30

114,9

A Hora do Pesadelo (2010)

35

115,6

Livro bacana recheado de informações acerca da produção.

Para mais curiosidades dessa produção, sugiro a leitura do livro A Hora do Pesadelo – Never Sleep Again, de Thommy Hutson, publicado no Brasil pela Editora Darkside. Trata-se de uma obra caprichada, com uma excelente apresentação e uma leitura agradabilíssima. E bons sonhos!

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